Por Domitila Becker, Coluna Augusto Nunes (*)
A noite estava chegando quando as duas camionetes estacionaram numa ladeira do bairro de Santa Tereza, no Rio. Armados de revólveres e granadas, 11 homens e duas jovens desembarcaram e, em movimentos rápidos, invadiram o casarão onde morava Ana Benchimol Capriglione, amante do ex-governador paulista Adhemar de Barros, famoso pelo bordão “rouba, mas faz”. Na hora do crepúsculo de 18 de julho de 1969, começava o maior assalto praticado durante a ditadura militar por grupos partidários da luta armada.
Disfarçados de policiais à caça de documentos considerados subversivos, os invasores se espalharam pela mansão. Enquanto alguns subiam ao segundo andar para localizar o cofre, outros imobilizaram moradores e empregados, furaram os pneus dos carros estacionados na garagem e cortaram as linhas telefônicas. A operação durou exatamente 28 minutos. E enriqueceu em US$ 2,4 milhões (cerca de R$ 30 milhões em valores atuais) a VAR-Palmares, organização comunista que tinha entre seus mais ativos militantes a universitária mineira Dilma Rousseff. “A gente achava que o golpe ia ser grande, mas não tinha noção do tamanho”, disse Dilma numa entrevista publicada em 2006.
O cofre de mais de 200 quilos rolou pela escadaria de mármore, foi colocado numa das camionetes e levado até um “aparelho” ? termo que identifica os endereços onde moravam ou se reuniam os partidários da luta armada ? em Jacarepaguá. Ali, com o uso de maçaricos, consumou-se o arrombamento do cofre que fora previamente inundado para evitar que o dinheiro se queimasse. As cédulas secaram depois de estendidas em varais e expostas a ventiladores. Eram parte da fortuna do ex-governador de São Paulo. A informação de que estavam sob a guarda da amante foi transmitida à VAR-Palmares por Gustavo Buarque Schiller, um sobrinho de Ana Benchimol que acabara de filiar-se à organização.
Entre os participantes da ação estavam Carlos Minc, deputado estadual e ex-ministro do Meio Ambiente do governo Lula, e Carlos Franklin Paixão de Araújo, segundo marido e pai da única filha de Dilma Vana Rousseff Linhares, ou Estela, ou Wanda, ou Marina, ou Maria Lúcia, ou Luiza. Embora tenha ajudado a planejar todos os assaltos do grupo, Dilma não figurou entre os invasores do casarão. Providenciou o armamento, guardou o dinheiro e ajudou a distribuir o produto do roubo.
O assalto foi concebido para evitar a falência financeira da VAR-Palmares, fruto da fusão da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), liderada por Carlos Lamarca, com o Comando de Libertação Nacional (Colina), onde Dilma debutou na luta armada aos 20 anos, a convite do primeiro marido, o jornalista Galeno Magalhães Linhares. “O Colina foi uma das poucas organizações a fazer a pregação explícita do terrorismo”, escreveu o historiador Jacob Gorender, que esteve preso com Dilma no presídio Tiradentes, em São Paulo.
O destino dos US$ 2,4 milhões permanece envolto em mistério. Uma das versões mais difundidas garante que vários militantes receberam US$ 800 cada um “para emergências” e cerca de US$ 1 milhão foi consumido na aquisição de armas e carros, no pagamento do aluguel dos aparelhos e na compra de áreas para adestramento de guerrilheiros. O embaixador da Argélia no Brasil, Hafif Keramane, foi contemplado com mais US$ 1 milhão para continuar fazendo a ponta com os militantes exilados. Outros US$ 250 mil foram depositados em contas secretas da Suíça e, posteriormente, divididos entre os remanescentes da VAR-Palmares. No livro “A Ditadura Escancarada”, o jornalista Elio Gaspari informa que o cofre do Adhemar permitiu que parte da cúpula da VAR-Palmares deixasse de vagar por pequenas casas de subúrbio e se instalasse numa chácara em Jacarepaguá, equipada com carro estrangeiro e falso motorista.
A fortuna precipitou a desunião. Três meses depois da mais lucrativa ação desde o início da luta armada, a VAR-Palmares foi rachada ao meio. Carlos Araújo e Dilma se juntaram aos companheiros da Vanguarda Armada Revolucionária (VAR), liderada por Antonio Espinosa. Os militantes fieis a Lamarca ressuscitaram a VPR. Consumada a ruptura, Dilma foi encarregada de encontrar em São Paulo um abrigo seguro para o arsenal da VAR. Nesse tempo, a mulher de Carlos Araújo dividiu um quarto de pensão com Maria Celeste Martins na Avenida Celso Garcia, na Zona Leste. O banheiro era coletivo e as acomodações bastante precárias.
“Eu e a Celeste entramos com um balde”, contou Dilma numa entrevista à revista Piauí de abril de 2009. “Eu me lembro bem do balde porque tinha munição. As armas, nós enrolamos em um cobertor. Levamos tudo para a pensão e colocamos embaixo da cama. Era tanta coisa que a cama ficava alta. Era uma dificuldade para nós duas dormirmos ali. Muito desconfortável”. A ex-ministra continua: “Os fuzis automáticos leves, que tinham sobrado para nós, estavam todos lá. Tinha metralhadora, tinha bomba plástica. Contando isso hoje, parece que nem foi comigo”. Presa no início de 1970 com documentos falsos e armas de fogo, Dilma ficou três anos na cadeia.
A história de outros participantes do roubo foi resgatada pelo Grupo Tortura Nunca Mais: João Domingos da Silva morreu em setembro de 1969, depois de submetido a sucessivas sessões de tortura. Em abril do ano seguinte, quando o carro que dirigia foi cercado pela polícia, Juarez Guimarães de Brito matou-se com um tiro na cabeça. Gustavo Buarque Schiller atirou-se de um edifício em Copacabana em 22 de setembro de 1985.
Ana Capriglione e os herdeiros do governador nunca reivindicaram os milhões furtados. Os descendentes da guardiã da fortuna continuam jurando que o cofre estava vazio.
(*) Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/o-pais-quer-saber/o-assalto-que-dilma-ajudou-a-planejar/
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